31.1.13

Pensando sobre frustração

Podemos aprender a ensinar melhor se prestarmos atenção a nossas próprias dificuldades durante um aprendizado.


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Nesse período de férias resolvi aprender um novo esporte. Melhor gastar o tempo ocioso com atividades físicas, é o que dizem. Só pra efeito de curiosidade, o esporte escolhido foi o tênis.


Tem sido uma experiência divertida especialmente pela facilidade com que fui aprendendo os movimentos básicos. Isso nunca tinha acontecido antes, rs.

Hoje, foi diferente. Antes da minha oitava aula, procurei todas as desculpas plausíveis para poder faltar. Sem nenhuma em mão, eu fui pra aula. Mas o simples fato de que eu tentei escapar não podia ser ignorado (não por mim, pelo menos) e eu passei todos os 50 minutos da aula tentando entender o por quê dele. 

Achar o por quê não foi difícil. Visto que foi, de longe, uma aula extremamente frustrante. Tentar descobrir porque, em tão pouco tempo, o esporte deixou de ser divertido e fácil para se tornar frustrante e estressante, foi um pouco mais difícil, mas eu consegui.

O mais irritante de tudo era o fato de que eu simplesmente não conseguia acertar por muitas tentativas. A taxa de acerto beirava os 50% se eu deixasse o critério beeeem frouxo. Não fazia questão que a bolinha caísse dentro da quadra, desde que eu acertasse o movimento... nem isso estava funcionando. Mas o que aconteceu pra, de repente, eu estar indo super bem e cair tanto?

Eu bolei uma hipótese.

Nas aulas anteriores eu estava acertando super bem os movimentos, de direita e esquerda. Mas, obviamente, a dificuldade dessas jogadas não eram muito altas. O professor sempre mandava as bolas com a mesma velocidade e fazia elas caírem aproximadamente no mesmo local, só variava os lados. Eu acertava a grande maioria.

Nas duas últimas aulas, os locais em que ele jogava a bolinha começaram a variar muito. Bolas longas, curtas, eu não podia prever o lado que ele iria jogar, etc. Toda minha habilidade desmoronou. Eu não conseguia mais acertar os movimentos. Toda técnica e precisão que eu tinha adquirido, se perderam num instante.

E o que é pior, eu perdi a motivação e a vontade de jogar.

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O objetivo desse post não é contar a minha trajetória dentro do tênis, mas sim, dividir com vocês algo da minha experiência que é muito importante lembrarmos quando formos ensinar qualquer habilidade seja a um aluno humano ou canino.

Durante o "shaping" do meu comportamento, o professor optou por estratégias de treino que não contribuíram para a minha aprendizagem e diminuíram a minha motivação em relação ao esporte. Foram elas: 

1- aumentar a dificuldade de forma muito brusca, de modo que eu não tinha altas chances de acertar e ser reforçada

2- insistir no nível de dificuldade e não voltar um pouco atrás e nem revezar entre bolas difíceis e fáceis para que eu pudesse continuar sendo reforçada.



E ao fim de 50 minutos, eu não tinha a menor vontade de fazer uma próxima aula.

Lembrem de mim quando forem treinar seus cães.

Se seu cão aprendeu a fazer um novo obstáculo, por exemplo, não o jogue direto em uma sequência longa, cresça a dificuldade aos poucos. Será mais educativo e menos frustrante.

Se seu cão aprendeu a fazer o "2on2off" enquanto você corre ao lado dele, não espere logo de cara que ele acerte com você disparando na frente ou ficando para trás. Cresça a dificuldade aos poucos.

Errar não deve ser um problema. Meu professor não briga comigo quando eu erro, e nem eu comigo mesma, simplesmente espero a próxima bola e tento acertar. Mas é importante que criemos situações em que nossos cães tenham uma chance real de acertar. Assim como é importante que meu professor faça isso por mim porque, honestamente, ninguém consegue aguentar uma sessão inteira só de erros. Nem eu, nem nossos cães.

7.1.13

Reforços, carros e facebook ou como não é preciso recompensar toda vez

Um dos maiores mitos do treino de cães com reforço positivo é o de que se formos treinar com petiscos ou brinquedos, teremos que recompensar nossos cães toda vez que eles fizerem um dado comportamento.

Como já coloquei, isso não passa de um mito. Se vocês ligam a tevê e não tem nada de legal passando, vocês vão parar de ver tevê pra sempre? Ao entrar no facebook e não ter nenhum atualização interessante e nenhuma mensagem de amigos, vocês vão parar de acessar essa rede social? É muito provável que não.

A verdade é que nem sempre as coisas que gostamos de fazer nos providenciarão reforços, ás vezes teremos de tentar um pouco mais antes de conseguir aquilo que queremos. E se nós somos capazes de aprender que na vida é preciso continuar tentando, por que não nossos cães? 

Mas não é só isso.

A forma e a frequência com que recebemos reforços para uma dada atividade (o chamado de esquema de reforçamento) modifica o nosso comportamento e o de nossos cães. Um exemplo clássico ilustra isso muito bem: suponhamos dois homens e seus respectivos carros. O primeiro possui uma Ferrari novinha e o segundo tem um fusca '68. Um belo dia o dono da Ferrari sai para trabalhar e o seu carro não pega... Ele tenta uma, duas, três vezes e aí desiste e liga para o seguro. No mesmo dia, o dono do fusca sai para trabalhar e seu carro também não liga mas diferente do outro homem, ele tenta muito mais vezes antes de desistir. Qual a diferença entre esses dois indivíduos? A diferença está no esquema de reforçamento do comportamento de ligar o carro. 

Vou destrinchar isso um pouco mais descrevendo os três esquemas mais presentes nos treinos de animais. 

O primeiro esquema é o de reforço contínuo, nele todas as respostas do organismo são reforçadas, sem exceção. Esse é o melhor esquema para se ensinar algum comportamento novo pois permite uma aquisição mais rápida. No entanto, se o reforço for interrompido por qualquer motivo, o comportamento se perderá rapidamente.

É o caso do dono da Ferrari. Toda vez que ele decide ligar o carro, o carro liga. Se por qualquer motivo, o carro não ligar, esse homem tentará poucas vezes antes de desistir.

O próximo esquema é o de razão variável, que é provavelmente o mais comum em nossas vidas. Nesse esquema não sabemos quando seremos reforçados, pois o reforço vem após um número variável de respostas, e continuamos tentando até conseguir. É o esquema predominante no Facebook, por exemplo, em que o feed de notícias nem sempre mostra algo interessante, mas continuamos procurando até achar alguma postagem que nos reforce.

E é o caso do dono do fusca que persiste por muito tempo antes de desistir de ligar seu carro. Alguns dias seu carro ligará de primeira, em outros vai ter que de tentar 5 ou 10 vezes antes de conseguir ligá-lo. Logo, quando seu carro não liga facilmente, ele continua tentando na esperança de conseguir na próxima, ou na próxima...

Esse é o melhor esquema para se evitar que o comportamento entre em extinção, mas esse é o tópico para outro post. 

Por fim, temos o reforço diferencial em que não se reforça a partir de um número de tentativas, mas sim, quando o comportamento atinge um dado critério. Por exemplo, podemos reforçar toda vez que o cão acerta um comportamento numa situação difícil,  como quando faz os truques em meio a distrações. 

Ou então, podemos reforçar a partir da qualidade da performance. Hoje estou retreinando os saltos da Dory e toda vez que ela faz um salto muito curto em uma sequência, eu paro para reforçá-la. A ideia é que ela se esforce para saltar cada vez mais curto pois é isso que produz mais brincadeiras e petiscos :)

Dessa forma, fica claro que recompensar todas as vezes não é necessário, mas também é contraprodutivo no treino de nossos cães. O reforço contínuo é vital para ensinar coisas novas, mas a partir do momento que o cão já sabe, o melhor é adotar outros esquemas que permitam tornar o comportamento mais duradouro ou melhorar sua performance.